quarta-feira, maio 30, 2007

Mamíferos

Sou mãe pela metade. Sim, tive meu filho e carreguei-o durante os longos nove meses que se seguiram. Amamentei-o com todo o meu leite. Ele morreu tem poucas horas. Estou sentada do lado de fora da sala do doutor. Procuro por um choro infantil mas não encontro nada além das lamentações adultas. Sinto o seu peso em meus braços e olho para os meus seios cheios de vida ainda, fartos... Não sei o que fazer com todo esse resto de corpo que virei.

Abraço meus joelhos com força e rezo baixinho para que ele acorde. Rezo para que tudo seja um sonho ruim. Alguém me oferece um calmante; não quero ficar calma. Meu filho morreu e não existe calma em nada disso. Apenas vazio. Um grande vazio. Penso com quem poderia compartilhar a minha dor, mas acho que seria dor demais para ser suportada por outra pessoa. Não tenho outra pessoa. Sou mulher, sou só.

De repente gostaria que toda a alegria do mundo acabasse para perceberem que meu filho morreu. As pessoas ainda andam na rua, sorriem. As folhas não caem, o dia continua bonito, a vida continua de uma certa maneira, mas o meu filho permanece morto.

Levanto para olhar o seu pobre corpo pelo vidro. Vejo tantos fios e aparelhos ao seu redor. Minha pequena criança parece tão sossegada alheia a tudo aquilo. Mordo a palma da mão enquanto as lágrimas não param de cair. Sinto o corpo todo tremer só em lembrar o seu cheiro.

Olho para os lados e não vejo ninguém. Empurro a porta que abre fácil para dentro. Vou ao seu encontro e pego-o nos braços. Está tão frio que o aperto cada vez mais contra meu peito. Meu menino deve estar com fome. Rapidamente levanto a blusa e tiro o meu seio para fora. Coloco em sua boca e aperto o leite para dentro da sua garganta. Sua boca enche e começa a escorrer pelos lados molhando todos os lençóis embaixo. Nada mais sinto quando percebo que toda aquela vida se esvai de mim.

Um comentário:

Anônimo disse...

Que bonito, Paulinho. Fazia tempo que não passava por aqui. Feliz dia dos namorados e até mais tarde.